quinta-feira, 30 de abril de 2015

Tu e ela. Tu e nada. Sei que nunca antes tinhas experimentado essa sensação. Alguém, talvez ninguém, tinha acabado de estabelecer uma conexão contigo. Alguém, que nem sequer sabia da tua existência, já te tinha marcado. E sabes o que é mais engraçado? Nem tu sabes como. Dizem que na vida, por vezes, temos a sorte de nos cruzar com almas gémeas, pessoas que, logo ali, no primeiro segundo, são capazes de se ligar a ti. Pessoas com as quais se cria um elo mágico, indescritível. Queres saber o que eu acho? Acho que tu tiveste essa sorte. Tu e ela.
Como poderia um sentimento assim terminar sem mais nada? Claro que não podia, claro que estavas destinado a cruzar-te com ela minutos mais tarde, naquela rua, naquela quente tarde de julho. Não duvido de que foi também o destino que se encarregou de vos juntar e permitiu o casamento com que há tanto sonhavas. Entretanto passaram dez anos. E ontem, sim, ainda ontem, algo te fez voltar a pegar naquela velha foto. Aquele pedaço amarelado de cartolina que com tanto amor tens mantido contigo. Tanta coisa mudou. Ela própria mudou. Mudou contigo tal como tu mudaste com ela. Sabes, eu já tenho reparado em como te perdes tanta vez a olhar para essa imagem. E noto que, de cada vez que a observas, o teu olhar é distinto porque eu sinto, e tu sentes, que sempre que a vês estás a descobrir algo de novo. Só que ontem foi diferente. Ontem reparei que, ao olhares para ela, te reencontraste com a rapariga de sorriso inocente e estático, parada a olhar para ti. Ontem vi em ti que, dez anos mais tarde, o mundo voltou a desfocar, as pessoas à volta deixaram de se mover e nada mais se atreveu sequer a mexer, não fosse esse momento ser arruinado. Finalmente encontraste a rapariga da foto. Finalmente, encontraste aquilo que durante dez anos deixaste que se fosse perdendo. Vi a mágoa no teu olhar e percebi o quanto a amavas. Percebi a desilusão que sentias por teres permitido que a magia não continuasse. Tive vontade de te abraçar e dizer-te que a culpa não foi só tua, também foi dela. Quis dizer-te que nada disso era importante, que o que realmente interessa não são as memórias do passado mas as oportunidades do futuro. Quis correr para ti e fazer-te perceber que juntos, tu e ela, iriam voltar a mostrar ao mundo a sorte que tinham em ter encontrado, cada um, a sua alma gémea. Juntos, tu e eu, poderíamos provar isso. Mas o tempo não espera e o ontem, que tinha os seus dez anos, deu lugar ao hoje com os seus vinte. O relógio não esperou, o mundo continuou a rodar, as pessoas a andar e ninguém mais se lembrou de nós nem daquela rua… ninguém mais quis saber do nosso momento e ninguém mais se importou que ele fosse arruinado.
Eu ainda continuo cá. Infelizmente sou só eu… E tu? Tu estás lá e não cá, lá com aquele pedaço de cartão, com aquela imagem que, há vinte anos, se tornou parte de ti. Tu e ela. Tu e nada.

Inês Catarina, 12ºC
Quinto desafio: continuar o texto que se segue!

        Uma fotografia na rua

        Encontrei a primeira fotografia na segunda-feira do mês de julho, pouco depois do meio dia. Estava caída no passeio, em frente do edifício da reitoria, e vi-a por acaso. Ao baixar-me para pegar naquele pequeno pedaço de papel retangular vi que, tal como pressentira no primeiro momento, se tratava de uma fotografia de passe. E foi então, parado no meio do passeio, que experimentei um intenso arrepio interior que acelerou subitamente o bater do coração. Senti-me como se de repente me tivessem transferido para outro lugar onde a realidade se desfocava e desapareciam as pessoas que caminhavam à minha volta, como se apenas existisse eu e o bocado de cartolina em que concentrara o olhar. (...)

Agustín Fernández Paz, Só resta o Amor

quarta-feira, 1 de abril de 2015

[Palavras: padeiro - planeta - guilhotina - execução]

Sempre, todos os dias e à mesma hora, entrevia pela janela da cozinha o padeiro.
De cabelo curto e grisalho, farto de levar ao forno as tão desejadas delícias da padaria, o Sr. José abordava-me sempre, fazendo-me um gesto de bom dia. Tinha um ar misterioso que lhe conferia um ar mais jovem do que a sua aparência.
Frequentemente, inúmeras pessoas deslocavam-se à padaria do José. No entanto, esta assumia algumas particularidades que deixavam os clientes insatisfeitos. A mais discutida entre todos era o encerramento da padaria muito cedo, ou melhor dizendo, mais cedo do que as outras.
Todavia, esta situação admitia uma razão… antes mesmo de ser aceitável era, antes de mais, alheia comparativamente a todas as outras que ouvira até então.
Certo dia, dirigi-me à padaria do Sr. José e, como era de esperar, o estabelecimento já se encontrava fechado. Reparei que a porta das traseiras, que dava acesso ao local onde estavam os fornos, estava entreaberta.
Previsivelmente, José encontrava-se a fazer pão. Porém, os pães que chegavam do forno demonstravam uma forma irregular e, no centro dos pães, afigurava-se um rosto de um ser estranho. Não reconheci imediatamente os rostos, mas posteriormente conclui que, talvez, fossem extraterrestres ou outro tipo de espécies vindos de outro planeta. Tais inferências deixaram-me apreensiva.
O Sr. José já se encontrava em pânico, trémulo do medo que lhe consumia a alma e a mente. Parou de caminhar à volta da mesa, agarrou-me por um braço, puxando-me e sentando-me numa cadeira.
Compreendi o estado de José, após este me confessar o seguinte:
“Menina, minha querida menina, peço-te ou imploro-te, que o que te digo fique apenas entre nós. Atordoada pelas imensas ideias que me ocorriam à mente, acenei a cabeça.
Estes pães que observas em cima dos tabuleiros destinam-se a uns amigos que me fornecem ingredientes. Em troca, apenas lhes ofereço alguns.
Normalmente, aterram na pista de São Minimenos por volta das 17 horas e é por isto que todos os dias fecho a minha padaria mais cedo.”
Fiquei perturbada, mas restava-me apenas prometer-lhe que o seu segredo nunca iria ser revelado. Contudo, não foi necessário revelá-lo, pois outra pessoa, mais cruel e infame, descobrira o que o padeiro temia.
Por conseguinte, semanas depois, o Sr. José tinha desaparecido e os extraterrestres eram capturados e julgados na guilhotina. Publicamente, na Praça de São Jerónimos, as cabeças destes seres rolavam à vez, onde a população ria, vendo o espetáculo mais desejado do mês.
Minutos mais tarde, deparo-me a observar fixamente a caixa de cereais que retratava bastante bem os rostos dos tais seres estranhos. A mão já quase dormente descaí-me com o peso da colher. Voltava ao meu mundo real…

Adriana

segunda-feira, 9 de março de 2015

O Padeiro Pianista

[Palavras: padeiro - piano - rapto - Egito]

Era uma vez, numa terra muito distante, um padeiro que ambicionava ser pianista. Nunca fora levado a sério quando dizia aquilo que na verdade queria fazer, acabando por nunca ir para além daquilo a que pensava que estava preso: à sua sala de estar.
Naquele dia, acordara tranquilamente esperando, pois claro, um dia vagamente interessante, na sua monótona vida de padeiro e pai.
Levantou-se da sua simples cama de linho e, vagarosamente, desceu as escadas, dando de caras com a mulher, Filomena.
- Joel, já acordaste a Larissa? - a mulher de olhos azulados perguntou, ao mesmo tempo dando um gole no seu café. Ele, nervosamente, retorquiu que não, correndo de seguida até ao quarto da pequena.
Quando lá chegou, Larissa já se encontrava pronta, com um sorriso largo no rosto.
Pegou na criança e levou-a até à cozinha, onde, na mesa já se encontrava um ótimo pão caseiro, com um pouco de manteiga.
- Desculpa Larissa, não tive dinheiro para te comprar um leite. - murmurou Filomena, olhando para a conta da luz espantada.
A família do padeiro era muito pobre, mas muito orgulhosa, por isso, nunca pediu ajuda a ninguém, encontrando-se muito endividada. Com apenas uma pessoa da família a trabalhar, eles viviam numa situação de bastante desespero, tendo dinheiro apenas para pão e leite.
Filomena já reclamara muitas vezes com Joel por ele nunca vender o piano que tinham na sala, mas o homem parecia que estava colado ao instrumento: recebera-o quando era jovem e foi com aquele piano que aprendeu o quão maravilhoso é fazer música… não se queria despedir dele.
- Joel, vais ter de te livrar do piano. – Disse-lhe a sua mulher, olhando para os papéis que continham as contas deles.
Joel acenou que não, com a cabeça, e a mulher mostrou-lhe os papéis:
- Vês? Nós nem conseguimos pagar metade do que nos pedem! E aquele piano era a única coisa que nos podia dar dinheiro suficiente para pagar as dívidas. Eu sei que gostas muito dele, mas pensa na Larissa, em mim... e em ti.
Joel olhou para baixo, e retorquiu que sim. Ele sabia que se negasse a venda, estaria a ser um egoísta e, por mais que amasse o piano e a música, amava mais Larissa e Filomena.
No dia seguinte, Joel acordou muito triste. Era o dia em que levavam o seu precioso piano. Ia ser vendido a um grande músico, que adorava pianos antigos; como se diz, vintage.
Acordou bem cedo para poder passar o máximo de tempo que conseguisse, antes de levarem o piano. Desceu as escadas e foi até à sala de estar. Lá estava ele. Sentou-se no banco e começou a tocar.
Que sensação maravilhosa que é tocar… é como se os dedos fossem aves voadoras, a planar no céu azul, e a melodia que faziam... maravilhosa! Como ter uma pequena história, e contá-la da forma mais artística que se consegue. A música pode ser triste, feliz, calma, lenta. A música tem sentimentos, como o ser humano, e com ela o Homem exprime tudo o que lhe vai na alma, como um diário.
- Toca muito bem, senhor. - Joel ouve uma voz atrás dele. Olhou para trás e viu o músico encostado à ombreira da porta.
-  Já alguma vez pensou em ser músico?
-  B, bem...n, não... - gaguejou ele, muito nervoso.
- Olhe, devia pensar. Tem muito talento! - O homem sorriu, e continuou:
- E digo-lhe mais: quer atuar comigo para a semana, num dueto?
Joel estava pasmado. Como passaria ele, o padeiro endividado “até aos cabelos”, a atuar com um dos pianistas mais idolatrados de todo o mundo. Certamente iria receber muito dinheiro, e não tinha de se livrar do piano. E talvez, talvez… deixasse aquela vida monótona de simples padeiro, para passar a pianista famoso, rico, e realizasse o seu sonho. Claro que ia dizer que ...
-Sim! - exclamou ele sorrindo e dando um aperto de mão ao senhor.
- Não se arrependerá, meu bom homem. Será bem pago, prometo-lhe.
- E vai ser onde?- interrogou Joel.
- No Egito, junto das pirâmides!

Tinham passado três dias desde que falara com o músico; encontrava-se já no avião, pronto para descolar, com destino ao Egito. Sentado à sua beira, encontrava-se o pianista, a explicar-lhe como iria ser o concerto e o que eles iriam tocar.
- Conheço essa música - afirmou Joel, murmurando o ritmo.

Passados dois dias...

Estava dentro de uma sala escura, todo amarrado e com fita-cola na boca. Estava atordoado e não reconhecia nada o do que estava à sua volta. Com muito esforço, levantou-se e começou aos pulinhos, vagueando pela sinistra divisão, até ouvir uma voz familiar:
- Então, quando é que nos vamos livrar dele?- era a sua mulher que falava.
- Hoje à tarde, amor. Sabes que eu não gosto de apressar as coisas. Retorquiu o famoso músico.
Ouviu passos na sua direção. Depressa se escondeu por detrás de umas caixas (bem, pareciam caixas, mas ao escuro, nem dava para perceber) e esperou, agachado.

Passadas 2 horas...

Estava agora a fugir de dois homens armados. Os seus pés doíam-lhe e estava fraco e cansado. As pernas vacilavam, e os homens aproximavam-se cada vez mais. Achou que era a sua hora.
A mulher traíra-o, o músico não gostava do seu tocar de piano, … viver mais, para quê? Fazer pão? Passar necessidades?

Passadas duas semanas...

No jornal

Um homem foi assassinado no Egito, pelo famoso músico Charlie Kosgrovina, que se encontra agora preso, juntamente com a esposa da vítima, pois foi cúmplice do assassinato.

Jasmin, 7º ano
[Palavras: porco - lua - faca - naufrágio]

- Um porco?! Uma lua?! Uma faca?! E um naufrágio?!
Tenho de ter ideias, ideais…- dizia eu enquanto batia levemente na minha cabeça.
Pensei, pensei, voltei a pensar e dei mais uma grande volta na minha cabeça até que tive uma ideia…
O mar estava revoltado e as ondas eram enormes e batiam contra o barco, que no meio daquele oceano, parecia uma formiga. Os tripulantes andavam de um lado para o outro, mudavam as velas e estavam totalmente descontrolados. Foi então que veio uma vaga que varreu o convés de uma ponta a outra. Os currais abriram-se e os animais, agitados, corriam de um lado para outro. Apenas um porco parecia tranquilo e não saiu do curral, ao contrário de todos os outros animais. De repente um trovão rasgou o ar e o barco afundou-se. Era um naufrágio.
O único sobrevivente desse naufrágio foi o porco. Quando os moradores da ilha, onde o porco fora parar, o viram, repararam que ele apertava na boca uma faca muito bela e quando a tentaram tirar, ele fugiu para o meio do mato. 
Contudo, esse porco era especial. Sonhava ser astronauta e queria mesmo ir à lua. Foi então que viu ao longe o símbolo de que mais gostava: NASA! Correu ao encontro daquele local e viu que estava uma nave para descolar. Entrou para a nave, escondeu-se e ouviu a contagem decrescente. 

Ângela

terça-feira, 3 de março de 2015

[Palavras: criança - cidade - chave - espetáculo]

Tudo o que vi na minha vida foi este teatro. Ainda bem que a minha vida ainda é pequena… tenho, apenas, 5 anos. Espera, estou a mentir. Uma vez, deixei-me ficar à espreita no final do espetáculo e por milagre, um alguém abriu a porta grande e por uns meros, mas espantosos milésimos de segundo, tive um vislumbre de como é a vida fora deste lugar, a vida da cidade.
Até que ela me viu. Tentei esconder-me, mas já era tarde de mais. E ao ouvir os passos a aproximarem-se, sentia o meu coração a bater mais depressa e tentava pensar o que é que lhe ia dizer. Até que os passos pararam e ela estava mesmo à minha frente. O que me saiu no momento foi:
- Mãe, desculpa!
Foi a primeira vez que lhe chamei aquilo. Ao contrário de todos os outros meninos que já estavam habituados, eu não conseguia. Para que é que lhe ia chamar mãe, se eu nunca tive uma mãe para saber como é?... Ao ouvir as minhas palavras, simplesmente respondeu:
- Está bem, vai lá! Só não o voltes a fazer.
Baixei a cabeça e saí, mas não consegui evitar ouvi-la a chorar. Esse momento vai ficar para sempre na minha memória.
Mas eu gostava muito de ver o que há mais no mundo. Havia uma televisão que eles nos deixavam ver uma hora por semana. Às vezes apareciam coisas más, mas as coisas boas também eram tantas! Animais tão lindos, lugares que eu adoraria visitar. Já desde há dois anos que faço o meu espetáculo e ver as pessoas encantadas com a minha voz é muito bom. Mas eu queria mais, eu quero mais. Por isso, o espetáculo de hoje vai ser o último. No meio de tantas portas que há no teatro, consegui encontrar uma que não fecha muito bem e se me esforçar um pouco conseguirei abri-la…
Mais tarde, quando ouvi a som dos aplausos tive uma sensação de alívio e de felicidade. Estava ansioso para ver o mundo lá fora.
Já era tarde… já depois dela vir desejar uma boa noite a mim e aos outros, ouvi a última luz do teatro a apagar-se e soube que era o momento. Agarrei a oportunidade e quando cheguei ao pé da porta, ganhei coragem e abri-a.
Para mim, tudo era novo: o movimento, a multidão das pessoas, a quantidade de carros, os prédios que pareciam chegar ao céu… Um sentimento de curiosidade percorreu o meu corpo tão depressa e tão fortemente como o sangue e comecei a explorar. Tudo era lindo e só desejava ter saído daquele teatro há mais tempo!
Até que umas ruas mais abaixo, vi um poster. Mas não era um poster qualquer. Olhava para ele e para o vidro de uma loja que servia de espelho e percebi que era igual... Estava lá um menino igual a mim. Mas o que mais me marcou foi o que estava lá escrito: «A voz deste menino é a chave do espetáculo, que vai abrir o seu coração.»
Hesito, mas tenho muito mais para descobrir… e não posso voltar atrás.

Rita Gonçalves

domingo, 1 de março de 2015

Amigos para Sempre

 [Tempo: No tempo em que os caracóis não levavam a casa às costas; Espaço: ao pé de um rio e num balão de ar quente; Astronauta (personagem principal); Dragão e polícia (personagens secundárias).]

No tempo em que os caracóis não levavam a casa às costas, o astronauta José Cabeça na Lua fez um piquenique ao pé de um rio para estar em contato com a natureza, pois no dia seguinte ia para a lua.
Enquanto saboreava o seu bolo de chocolate, ouviu um barulho estridente que o assustou. Apesar do medo, atravessou o rio para verificar o que era e, ao passar pelos arbustos, viu um polícia com uma pistola na mão e um dragão muito grande ferido numa pata. O José Cabeça na Lua, indignado, interveio de imediato:
- O que está a fazer, senhor polícia?
- Este dragão malvado comeu o arbusto com bagas vermelhas. – respondeu-lhe o polícia muito chateado com o dragão.
- Não consegui resistir, eram tão deliciosas! – exclamou o dragão de barriga cheia.- Agora já estou mais quentinho…
- Cala-te, Hálitoquente! – interrompeu o polícia.
- Senhor Fernando Balanatola, não sabe que eu tenho de estar sempre quentinho?
- Afinal conhecem-se! – comentou o astronauta José Cabeça na Lua.
Quando a discussão acalmou, o astronauta José Cabeça na Lua convidou-os para irem à lua no seu balão de ar quente. Foi uma aventura tão divertida que agora vão à lua todos os anos, mas antes da viagem comem sempre um bolo de chocolate ao pé do rio e dos arbustos.
Perlimpimpim esta história chegou ao fim.

Marco Reis, 6º D

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

[Palavras: palhaço – bosque – livro – rapto]

Nunca compreendera, porque é que aquele monte de folhas teria alguma importância na vida de alguém… uma coisa tão simples e banal, por quem todos lutam.
Já aquele sítio, ninguém o procurava, e eram tão parecidos numa coisa, em ambos começa o início, exatamente da mesma forma.
Talvez aquele local apenas precisasse de um palhaço, para que todos pudessem sentir-se confortáveis no seu natural mundo, que para mim era um aglomerado de bonecos disfarçados de gente grande e moralmente correta.
Possivelmente, seria esta a razão por que não se sentiam bem no bosque, pois apesar de ser escuro como as suas roupas, não combinava com as suas personalidades.
Contudo, essa razão tão plausível, viria a ser complementada com uma outra, o maldito livro de páginas vazias. Aquele livro de páginas brancas e vazias, representava o começo de tudo, o que alguém pretende para poder preencher com a sua história.
Também o bosque para mim significava o começo de tudo… escuro onde nenhum erro se vê. Ainda assim, ninguém lá queria iniciar a sua história, agora compreendo porquê, nenhum palhaço precisa de um passado negro, mas sim de um claro começo.
Mas era lá que eu me sentia bem, e não com um livro branco por escrever, onde poderia manchar uma página e no meu escuro não se veem as imperfeições.
Assim, fiz o rapto de mim próprio e transportei toda a minha mente e o meu espírito para um lugar onde não quero, nem me deixo sair de lá: o meu bosque.

Leandra Freitas
Quarto desafio: um texto a partir do sorteio de 4 palavras (uma personagem, um local, um objeto e uma ação).

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Ninguém


Se assim fosse, seria perfeito. Um lugar onde o sol brilha durante o dia, acompanhado pelo som dos pássaros que assobiam docemente por entre os ramos fortes. Um lugar onde os dias são quentes e as noites mais frescas. Um lugar onde a lua brilha, acompanhada por milhões de sóis a milhões de anos luz. Um lugar… apenas nós os dois sentados à beira-mar, a conversar durante horas e horas, onde o nosso amor cresce, parecendo não ter fim.
Mas não. O sol que deveria estar a brilhar no céu, mal se vê devido a tantas nuvens negras que choram e gritam mais do que eu. A noite que deveria ser fresca e iluminada pela lua está mais escura do que nunca, numa combinação perfeita entre nevoeiro e iluminação fraca e intermitente, devido ao maldito candeeiro do outro lado da rua. Nós? Não existe “nós”. Existe um “eu” e um “tu” onde ódio e rancor são projetados das nossas bocas como flechas, lançadas contra os nossos corações… flechas que nos perfuram de um lado ao outro, tirando-nos tudo o que existe de bom.
            Quem me dera que não tivesse de ser assim… mas sinto que aquele fundo negro, onde estou prestes a mergulhar, será a única possível solução. Mas até esta ideia que me ocorre já deve ter ocorrido a alguém… Era isso que queria. Era isso que queria ser, ALGUÉM. Mas alguém não posso ser, porque alguém nunca fui. Sou eu. Apenas eu. Ninguém.

Valter Ferreira

http://en.casio.broadink.com/Product.aspx?iid=9155

Se há coisa que eu não largo é o meu relógio. Recebi-o como prenda de natal há um ano atrás. Não é digital, porque eu prefiro assim, acho-os muito mais femininos e glamorosos com os ponteiros. Quase que posso dizer que é o meu acessório favorito.
Quando me esqueço dele, quase que deliro! As horas orientam-me e não o ter é uma sensação estranha, se é que me entendem.
O branco, com o tempo, começa a desvanecer, e nasce uma nova cor.
Não há muito mais para falar sobre ele: é um objeto. Nem sentimentos nem vida possui. A sua função sempre foi uma única: indicar as horas e, consequentemente, os seus movimentos giratórios.


Beatriz Neves

sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Branco Mármore


Acordas. Abres os olhos. E não sabes onde estás. Respiras fundo, gritas com todo o ar que tens nos pulmões: “Está aí alguém?”. E não ouves nada. Vais até à porta. Desatas aos murros. Berras. Gritas. Numa combinação perfeita entre loucura e medo. “Onde é que eu estou?”. E então ouves passos vindos do outro lado do pequeno quarto branco com apenas uma porta de metal. Ouves os passos cada vez mais perto. Sentes um respirar do outro lado da porta e um grito perfura-te os tímpanos: “Está ai alguém?”. E, no instante a seguir, batem-te à porta num desespero horrível: “Onde é que eu estou?”.
Procuras pelo quarto qualquer coisa para abrir a porta mas nada encontras. Reparas na fechadura. É diferente de todas as outras. Tem apenas um círculo que liga um lado ao outro da porta. Não tem ranhura. Então, tu espreitas e vês um olho. Assustado, cambaleias e bates contra a parede. Levantas-te meio tonto e vais de novo à porta. Rodas a maçaneta. Esta parte-se. Tentas abrir a porta, mas sentes algo a puxá-la. Olhas pelo buraco e vês de novo o olho e gritam os dois numa perfeita sinfonia: “Deixa-me abrir a porta!”. Ficas a tentar arrombar a porta por algum tempo e, então, deixas-te cair contra o chão duro de mármore branco e frio como a neve. Embates com as costas no chão e choras num pranto enorme. Adormeces então num sono profundo. Acordas de um sonho mau e apercebes-te de que, do maior pesadelo, ainda não acordaste.
Vais até à porta. Olhas pela fechadura e vês um corpo deitado no canto, imóvel, num sereno e sossegado sono. Abres a porta e tentas passar para o outro lado. O corpo deitado no canto acorda. É um homem tal como tu. Duas pernas, dois braços, um nariz, uma boca, dois olhos e uma cicatriz. Uma cicatriz igual à tua. Mesmo acima do olho, no meio da sobrancelha. E então pensas para ti mesmo: “Será meu irmão?”; mas, no momento a seguir, apercebes-te que não, pois ele começa a portar-se como um animal. Começa aos murros. Aos pontapés. E tu tentas desviar-te e defender-te em simultâneo. Mas são ambos demasiado fortes. Então, tu tentas correr para o quarto branco de novo mas ele agarra-te um pé. Tu cais e ficas a meio da porta. Ele morde-te a perna e tu gritas ao sentir os dentes a arrancar um pedaço de carne. Dás o maior pontapé que consegues, acertando-lhe no peito e fazendo-o cambalear. Consegues chegar à maçaneta que outrora se tinha partido e, mesmo no momento em que ele se atira para te atacar, tu dás-lhe com a maçaneta de metal na cabeça, fazendo-o perder os sentidos. E é então que de tanto ser forte, procurou a paz com as próprias mãos. Voltas a fechar a porta. E adormeces. Num canto. Com as mãos cobertas do precioso líquido da vida.


Valter Ferreira

terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Na Nogueira...


Parece que foi ontem. As tardes que eu passava mesmo do outro lado da estrada, na Nogueira, como lhe chamavam os meus avós...
Já não parece a mesma. Na altura em que eu ainda ficava por conta das minhas avós e me encontrava ali, na Nogueira, com os meus amigos, aquele largo enchia-se de vida… as horas passavam a correr.
Naquela altura, não eram precisos telemóveis, relógios, computadores, internet ou televisão. Depois do almoço era a nossa hora de encontro de todos os dias. Eu, o meu irmão e a minha prima éramos os primeiros a marcar presença. Sem darmos conta já estávamos a brincar às escondidas ou à lata com quem simplesmente aparecesse. E era mesmo aqui, atrás da casa da minha tia Bela, o meu lugar preferido para me esconder.
Neste sítio, existem dois tubos por onde escoa a água do pátio da casa e que dá visão direta para a Nogueira onde ficava o pobre escolhido para contar e a ter, depois, de nos encontrar.
Da última vez que me lembro, não precisava de me baixar muito para perceber se tinha o caminho livre.
Agora estou aqui, os tubos já me chegam pela cintura e a imagem da Nogueira já não é a mesma. Já não há bicicletas por ali, nem crianças a correr de um lado para o outro. Aquele largo é apenas habitado pelos mais idosos que permanecem naquela rua e que marcam ali o seu ponto de encontro para irem juntos beber a bica.
Ao olhar para a Nogueira resta nostalgia e uma enorme vontade de regressar àquelas tardes onde almoçava à pressa, não para ir estudar, mas para ir brincar e onde a hora do lanche era marcada pelo grito da minha avó e não por uma campainha.


Melissa Vieira

domingo, 25 de janeiro de 2015

O teto cinzento


Entro para o carro. Para o banco de trás como sempre. E estou tão dominada pelo sono que simplesmente me deito, ocupando todo o banco com o meu corpo. Olho para cima e tudo o que vejo é um teto cinzento escuro com duas janelas nas pontas, uma de cada lado. É por elas que entra uma luz de presença, tão suave, mas tão brilhante ao mesmo tempo, que me deixa ver o céu estrelado.
Mas é nesta escuridão que tudo fica mais claro. Este sono que invade o meu corpo faz-me sentir de outra forma. E o respirar é tão profundo que é como se limpasse o que está de mau dentro de mim. A minha mente, que normalmente está a mil à hora, pensa num turbilhão de perguntas para as quais tenho de encontrar respostas. Agora isso não acontece, agora a minha mente é como se fosse um jogo. Não no sentido em que se ganha ou se perde, ou seja, encontro a resposta que procuro ou não. Nem é um jogo no sentido que, eventualmente, vai acabar. É, sim, na maneira que eu sinto que posso alterar a minha mente. Eu é que estou a controlar e eu é que decido se quero ir para norte ou para sul, se quero parar ou saltar para o desconhecido. A minha mente está completamente aberta.
Estou assim, impávida e serena, no banco de trás do meu carro a olhar para o teto cinzento e para as estrelas que brilham ao luar, a pensar em tudo e em nada, quando a voz dele me fala. Sim, ele, que vai no banco da frente a conduzir o carro para me levar ao sítio onde eu mais quero chegar: a minha cama! Porque este sono continua a consumir o meu interior. Ele diz algo, nem sei o quê, pois simplesmente não percebe que eu não estou lá, que estou verdadeiramente num lugar mágico onde controlo toda a minha mente. Por isso, ignoro, continuo no meu mundo a viajar. Penso em tudo, penso nas coisas mais importantes da minha vida, penso nas pessoas. Consigo ver a minha vida como se fosse um filme: volto atrás, ponho em pausa para reparar nalgum pormenor, de seguida volto a carregar no play. Toda uma nova perspetiva me surge. Consigo analisar situações mais calmamente, sem pressão, sem stress. Mesmo sem procurar, as respostas a todas as minha perguntas aparecem, sem mais nem menos.
Nisto, sinto o carro a abrandar. A velocidade vai baixando pouco a pouco até que finalmente para.
- Chegámos. - diz ele.
Mas eu não quero… eu não quero voltar ao normal. Prefiro ficar assim para sempre, deitada no banco de trás do carro.


Rita Gonçalves
Terceiro desafio: um texto a partir de uma IMAGEM.

sábado, 3 de janeiro de 2015

A minha prenda para Jesus

Quando Jesus nascer, eu irei visitá-lo aonde for preciso, nem que ele esteja muito longe eu irei vê-lo! Irei dar-lhe uma grande prenda que vem do fundo do meu coração (Amor, Carinho e Amizade), para que ele cresça com saúde e seja muito feliz ao longo da sua vida.
            Assim, eu também vou ser feliz!

Raquel Vicente, 5ºB

Conto de Natal

Era uma menina, que desde os 9 anos viva numa instituição. A sua mãe tinha morrido num acidente de viação.
Todos os dias sentia saudades de ter uma mãe, uma confidente e conselheira. Ela desejava  ter uma mãe para poder desabafar com ela, para partilhar os seus medos e sonhos, para viver uma vida feliz...
No Natal do ano anterior, ela tinha pedido um desejo, tinha desejado uma família, uma casa, queria ter uma vida feliz, uma vida cheia de amor...
Já tinha passado um ano e nada acontecia…
No dia 20 de dezembro, a assistente da instituição deu-lhe a novidade de que havia uma família interessada na sua adoção. No início ela ficou um pouco receosa, pois tinha medo que a família não a aceitasse tal como era. Depois de os conhecer ficou estupefacta pela atenção que eles tiveram para consigo.
Os dias passavam e ela, cada vez mais, queria uma família como aquela com que tinha falado há uns dias…
No dia de Natal ela acordou triste, pois viu que não tinha nenhum presente debaixo da sua cama, como era costume…
Saiu do quarto e, de repente, os seus olhos encheram-se de uma imensa alegria ao ver o que a esperava…
Era a família que ela tinha conhecido há uns dias…
Assim que preparou as suas malas, despediu-se de todos e saiu; nem queria acreditar que o seu desejo se tinha realizado…
A felicidade era maior que tudo, para ela; o Natal passou a deixar de ser só os presentes, e passou a ser a família, porque a família está sempre em primeiro lugar...

                                                                               Inês Amaro, 8ºE

Para o Menino Jesus

        Desde pequenina que ouço falar no Menino Jesus. Quando o vejo, está deitado nas palhinhas do presépio… quando o sinto está no meu coração, bem quentinho!
Este Natal, todas as pessoas o vão adorar e levar-lhe as suas prendas… Eu também lhe queria dar uma prenda que fosse tão especial como ele, mas não sei bem… se eu lhe conseguir dar o melhor que o meu coração tem, ele ficará muito contente comigo!


Matilde Santos, 5ºB

A noite continuava fria

A sonoridade dos pingos de chuva, puros e isentos de qualquer forma predefinida, contrastavam com as músicas de natal das quais somos alvo nesta época, quer vinda das lojas que anseiam desesperadamente só por mais um cêntimo ou do grupo da igreja, que percorre o mundo se for preciso, desejando que uma alma caridosa doe um pouco de pão ou algo do género que possa diminuir o estômago roncador de muitas almas solitárias.
As árvores apresentavam-se despidas, somente com uma ou outra folha amarela ou vermelha, que exibiam com o maior orgulho. O céu estava carregado de estrelas- cena improvável quando chove, pois as nuvens costumam vencer o brilho e a beleza daqueles astros que aos nossos olhos parecem insignificantes no universo.
No entanto, aquele fenómeno improvável ocorreu naquela noite. Aquela noite de Natal foi diferente de todas as outras. Não só pelo esplendor daquele fenómeno observável e lindo a quem saia à rua e olhava para o céu infinito, como também pelo impacto que teve na minha vida.
Eu era uma advogada bem-sucedida na carreira, não tanto no AMOR. Sim, AMOR com letras grandes. Porque não falo daqueles amores pequeninos, que viraram moda nos nossos dias, que juntam pessoas pelo dinheiro, pela profissão ou pela cor dos olhos. Falo sim naquele AMOR que ao que parece desapareceu sem se despedir de quem cá ficou; um AMOR incondicional, marcado por grandes provas de entrega e acima de tudo de lealdade.
Nunca fui muito dada aos outros, sempre fui mais de olhar só para mim! Talvez esta má prática tenha crescido comigo desde os primórdios da minha vida. Na verdade, limitei-me a seguir o que observava à minha volta: um pai empresário que raramente parava em casa; uma mãe excêntrica dada a luxos meramente para reunir o maior número de falsas amigas… Na verdade, uma família que não o era. Costumava dizer que vivia num grupo de pessoas que se juntou para tirar o maior proveito dos outros, neste caso, dinheiro.
Para mim, não existiam datas festivas. Até porque não tinha com quem festejar. Ter pessoas especiais na minha vida era algo muito inconstante e invulgar. As noites de Natal, de Ano Novo, de Aniversário nunca se assumiram como dias especial. Estes eram passados no escritório ou em casa a ver filmes e a comer pipocas, com as quais tento me deliciava.
Só que naquela noite, aquela noite que já vós falei, decidi mudar. Não falo em fazer um penteado novo ou comprar umas roupas menos velhas que as anteriores. Falo sim, em transformar-me, em moldar o meu ser, de acordo com a pessoa que sempre quis ser.
Resolvi que iria sair de casa, que iria percorrer a rua e deixar-me a mercê do que aquela noite me poderia trazer.
Despi a máscara, e caminhei.
Caminhei sentindo o duro chão que pisava, e respirando todo o ar que conseguia depositar nos meus pulmões.
Ao longe da rua avistei um grupo de vultos que, à medida que caminhava, se tornava mais nítido. Tratava-se do grupo da igreja cantando para os sem- abrigo. Fiquei a observar, por momentos, não sabia se na minha cara continha lágrimas ou pingos de chuva, na medida em que estes se confundiam com as minhas emoções.
Esperei que estes pequenos cantores, mas que na verdade são verdadeiros heróis partissem para junto das suas famílias de sangue para que eu me juntasse àquela que viria a ser a minha família de coração.
Aproximei-me deles que me receberam com um “Boa noite” ligeiramente apático. Não estranhei. Que mais poderia eu esperar? Que me oferecessem a refeição que não tinham?
Sabia que no meio deles, as pessoas como eu, cheias de dinheiro mas com um coração vazio, não eram bem vistas e não era para menos. Quantas vezes passei eu carregada de dinheiro dos pés à cabeça, junto deles sem nem um sorriso expressar?
Todavia, eles foram o que aquela noite me traçou. Foram os impulsionadores da minha mudança e os meus pequenos grandes heróis que me salvaram de um caminho tenebroso e sem estrelas brilhantes, como aquelas que iluminaram a minha primeira noite de Natal, para iluminarem a minha caminhada.
Hoje, larguei os luxos e despi a máscara que me prendia a algo que não me pertencia.
Continuo a ser advogada, mas com uma pequena particularidade, ajudo quem não tem milhares de euros para me pagar.
Por isso digo-te:
Vai! Corre! Grita ao mundo o que sentes… Despe essa máscara e elabora tu a tua própria peça.
Sê feliz, com tudo ou com pouco. Mas lembra-te que às vezes ter muito é ter pouco e ter pouco é ter muito.

Sorri, mas chora! Porque as tuas lágrimas são o espelho da tua alma, e sem te mostrares ninguém saberá aquilo que és! Nem mesmo tu!

Inês Gonçalves

Ao Menino Jesus

Que lhe hei-de dar?
Talvez, um computador!
Mas … ele é pequenino.
Dou-lhe então amor!

Dou-lhe humildade!
Dou-lhe felicidade!
E ao longo desta corrida,
Entrego-lhe a minha vida!


  Sofia Magro Lopes, 6ºB

Conto de Natal

Era noite de Natal. Eu olhava em redor, sobressaltado, em busca de um sítio onde me pudesse abrigar do frio que se espalhava pelo meu corpo, já gélido e cor de cal. Mas algo me despertou a atenção. Era uma janela de uma casa, já distante. A luz era algo que eu não me habituara nunca a ver. Nem nunca vira. E a luz é felicidade, alegria, paz de espírito… bem, era o que me diziam os livros que lia na biblioteca. Sempre tentei ver alguma, mas não dava. Nunca tive uma lâmpada em minha casa, visto que… bem… nunca tivera uma casa.
Aproximei-me mais um pouco daquela janela e começou a cheirar a peru. Uau, como eu adorava peru! Já há alguns bons anos que não comia, mas nunca me esqueci, nem do cheiro, nem do sabor. Mais à frente, comecei a ouvir risos de crianças. Há quanto tempo eu não ria? Há muito…nem me lembrava da última vez que simplesmente esboçara um sorriso, ou que subira um pouco os cantos da boca. Não dá vontade de sorrir, com a vida que levo. Só dá vontade de desistir de tudo.
- Mamã, mamã!- dizia uma menina. Olha, um menino está a espreitar pela janela!
 Ao ouvir isto, uma senhora alta abriu-me a porta. Ela parecia meiga e muito serena. Tinha uns grandes olhos cor de safira, muito brilhantes e um sorriso afável, como tinha a minha mãe.
- Olá, rapaz!- disse ela, despenteando-me o cabelo. – Como te chamas?
- B...bem… - murmurei - não sei… A simpática senhora olhou para mim com muita pena. Ajoelhou-se, e pondo-me as mãos nos ombros, proferiu:
- Bem, eu sempre quis ter um filho chamado Martin. Eu sou a Marta, e aquela menina ali… é a Esmeralda. Queres entrar?
- A sério?! - exclamei eu.
- Claro! Vou apresentar-te ao meu marido, e aos meus outros filhos. Entra, Martin… Posso chamar-te Martin, certo?
Acenei timidamente a cabeça. Entrei para dentro de casa e vi tudo enfeitado: luzes, as meias, até a árvore de Natal! Nunca tinha visto tanta luz na minha vida.
Olhei em redor e vi a mesa posta com cinco pratos. No centro, estava um peru enorme, com recheio. Servidos, estavam também batatas cozidas e um leite creme… com tão bom aspeto!
- Bem, Martin - disse a afável senhora - este aqui é o meu marido, Carlos. Eu falei-lhe agora sobre ti.
- Olá, pequeno! - exclamou o homem alto e robusto - Parece que hoje vens cá passar o Natal! O teu papá e a tua mamã?
Olhei para o chão. Uma lágrima escorreu-me pelo rosto e caiu no chão. Senti uma mão no ombro e olhei para cima. Era o senhor, que sorria.
- Não faz mal. O que interessa é que temos de pôr mais um prato na mesa!Eu sussurrei um pequeno “ok” e fui de mão dada com a senhora Marta até a uma grande sala, cheia de brinquedos. Lá, além de Esmeralda, estavam mais duas meninas.
- São a Jasmim e a Safira. Têm cinco anos. E tu, quantos anos tens?
- Bem, acho que tenho sete… não tenho bem a certeza.
- Não interessa, vai brincar com elas. E esboça lá um sorriso, Martin! Agora tens uma família!
Olhei em volta. Luz! Vejo luz! Tenho dentro de mim felicidade, alegria, paz de espirito! Tirei de mim a dor, o sofrimento, a solidão!
E sorri. Melhor que o sabor do peru, do cheiro das batatas, do leite creme… a melhor coisa que pude recuperar foi a alegria de viver. O sorriso. E não vou voltar a perdê-lo.

                                                                                                                                                     Francisca Firmino, 7ºC