Acordas. Abres os olhos. E não sabes onde estás. Respiras fundo, gritas com
todo o ar que tens nos pulmões: “Está aí alguém?”. E não ouves nada. Vais até à
porta. Desatas aos murros. Berras. Gritas. Numa combinação perfeita entre
loucura e medo. “Onde é que eu estou?”. E então ouves passos vindos do outro
lado do pequeno quarto branco com apenas uma porta de metal. Ouves os passos
cada vez mais perto. Sentes um respirar do outro lado da porta e um grito
perfura-te os tímpanos: “Está ai alguém?”. E, no instante a seguir, batem-te à
porta num desespero horrível: “Onde é que eu estou?”.
Procuras pelo quarto qualquer coisa para abrir a porta mas nada encontras.
Reparas na fechadura. É diferente de todas as outras. Tem apenas um círculo que
liga um lado ao outro da porta. Não tem ranhura. Então, tu espreitas e vês um
olho. Assustado, cambaleias e bates contra a parede. Levantas-te meio tonto e
vais de novo à porta. Rodas a maçaneta. Esta parte-se. Tentas abrir a porta,
mas sentes algo a puxá-la. Olhas pelo buraco e vês de novo o olho e gritam os
dois numa perfeita sinfonia: “Deixa-me abrir a porta!”. Ficas a tentar arrombar
a porta por algum tempo e, então, deixas-te cair contra o chão duro de mármore
branco e frio como a neve. Embates com as costas no chão e choras num pranto
enorme. Adormeces então num sono profundo. Acordas de um sonho mau e
apercebes-te de que, do maior pesadelo, ainda não acordaste.
Vais até à porta. Olhas pela fechadura e vês um corpo deitado no canto,
imóvel, num sereno e sossegado sono. Abres a porta e tentas passar para o outro
lado. O corpo deitado no canto acorda. É um homem tal como tu. Duas pernas,
dois braços, um nariz, uma boca, dois olhos e uma cicatriz. Uma cicatriz igual
à tua. Mesmo acima do olho, no meio da sobrancelha. E então pensas para ti
mesmo: “Será meu irmão?”; mas, no momento a seguir, apercebes-te que não, pois
ele começa a portar-se como um animal. Começa aos murros. Aos pontapés. E tu
tentas desviar-te e defender-te em simultâneo. Mas são ambos demasiado fortes.
Então, tu tentas correr para o quarto branco de novo mas ele agarra-te um pé.
Tu cais e ficas a meio da porta. Ele morde-te a perna e tu gritas ao sentir os
dentes a arrancar um pedaço de carne. Dás o maior pontapé que consegues, acertando-lhe
no peito e fazendo-o cambalear. Consegues chegar à maçaneta que outrora se
tinha partido e, mesmo no momento em que ele se atira para te atacar, tu
dás-lhe com a maçaneta de metal na cabeça, fazendo-o perder os sentidos. E é
então que de tanto ser forte, procurou a paz com as próprias mãos. Voltas a
fechar a porta. E adormeces. Num canto. Com as mãos cobertas do precioso líquido
da vida.
Valter Ferreira